terça-feira, 9 de março de 2010

Os ombros suportam o mundo


"Chega um tempo em que não se diz mais:

Meu Deus.

Tempo de absoluta depuração.

Tempo em que não se diz mais:

Meu amor.

Porque o amor resultou inútil.

E os olhos não choram.

E as mãos tecem apenas o rude trabalho.

E o coração está seco.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,

mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.

És todo certeza, já não sabes sofrer.

E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice,

que é a velhice?

Teu ombros suportam o mundo

e ele não pesa mais que a mão de uma criança.

As guerras, as fomes,

as discussões dentro dos edifícios

provam apenas que a vida prossegue

e nem todos se libertaram ainda.

Alguns, achando bárbaro o espetáculo,p

refeririam (os delicados) morrer.

Chegou um tempo em que não adianta morrer.

Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.

A vida apenas, sem mistificação."


carlos Drummond de Andrade

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