domingo, 3 de abril de 2011

Substituirei o destino pela probabilidade...


Estou desorganizada porque perdi o que não precisava?
Nesta minha nova covardia
- a covardia é o que de mais novo já me aconteceu,
é a minha maior aventura,
essa minha covardia é um campo tão amplo que só a grande coragem me leva a aceitá-la ,
na minha nova covardia,
que é como acordar de manhã na casa de um estrangeiro,
não sei se terei coragem de simplesmente ir.
É difícil perder-se.
É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar,
mesmo que achar-me seja de novo a mentira de que vivo.
Até agora achar-me era já ter uma ideia de pessoa e nela me engastar:
nessa pessoa organizada eu me encarnava,
e nem mesmo sentia o grande esforço de construção que era viver.
A idéia que eu fazia de pessoa vinha de minha terceira perna,
daquela que me plantava no chão.
Mas e agora?
estarei mais livre?
Não.
Sei que ainda não estou sentindo livremente,
que de novo penso porque tenho por objetivo achar
- e que por segurança chamarei de achar o momento em que encontrar um meio de saída.
Por que não tenho coragem de apenas achar um meio de entrada?
Oh, sei que entrei,
sim.
Mas assustei-me porque não sei para onde dá essa entrada.
E nunca antes eu me havia deixado levar,
a menos que soubesse para o quê.
Ontem, no entanto, perdi durante horas e horas a minha montagem humana.
Se tiver coragem,
eu me deixarei continuar perdida.
Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo,
não sei me entregar à desorientação.
Como é que se explica que o meu maior medo seja exatamente em relação:
a ser?
e no entanto não há outro caminho.
Como se explica que o meu maior medo seja exatamente o de ir vivendo o que for sendo?
como é que se explica que eu não tolere ver,
só porque a vida não é o que eu pensava e sim outra como se antes eu tivesse sabido o que era!
Por que é que ver é uma tal desorganização?
E uma desilusão.
Mas desilusão de quê?
se,
sem ao menos sentir,
eu mal devia estar tolerando minha organização apenas construída?
Talvez desilusão seja o medo de não pertencer mais a um sistema.
No entanto se deveria dizer assim:
ele está muito feliz porque finalmente foi desiludido.
O que eu era antes não me era bom.
Mas era desse não-bom que eu havia organizado o melhor:
a esperança.
De meu próprio mal eu havia criado um bem futuro.
O medo agora é que meu novo modo não faça sentido?
Mas por que não me deixo guiar pelo que for acontecendo?
Terei que correr o sagrado risco do acaso.
E substituirei o destino pela probabilidade.

Clarice Lispector

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