terça-feira, 12 de outubro de 2010

O fantasma da autocritica...


''O poeta dizia que era trezentos,
trezentos e não sei quantos.
Eu sou apenas duas:
a verdadeira e a outra.
Uma outra tão calculista que às vezes me aborreço até a náusea.
Me deixa em paz!
– peço e ela se põe a uma certa distância,
me observando e sorrindo.
Não nasceu comigo mas vai morrer comigo e nem na hora da morte permitirá que me descabele aos urros,
não quero morrer,
não quero!
Até nessa hora sei que vai me olhar de maxilares apertados e olho inimigo no auge da inimizade:
“Você vai morrer sim senhora e sem fazer papel miserável, está ouvindo?”
Lanço mão do meu último argumento:
tenho ainda que escrever um livro tão maravilhoso...
E as pessoas que me amam vão sofrer tanto!
E ela, implacável:
“Ora, querida, as pessoas estão fazendo montes. E o livro não ia ser tão maravilhoso assim”.
É bem capaz de exigir que eu morra como as santas.''

Lygia Fagundes


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